UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ- UEM
TÓPICOS ESPECIAIS
TAIS REIS LEAL MURTA
ENSAIO- A LEI DE DIRETRIZES DO CAMPO DO ESTADO DO PARANÁ E A SUA PRÁTICA NA ESCOLA AGROECOLOGIA MILTON SANTOS - MST
Este estudo trata de algumas considerações observadas no cotidiano e na realidade da Escola Agroecologia Milton Santos do Movimento Social dos Trabalhadores e o Sistema de Ensino do Paraná. A Escola Agroecologia Milton Santos tem como compromisso a vida das pessoas do campo, com a luta, com os movimentos sociais, que ao assumir a caminhada de suas comunidades, procurando contribuir, como também refletindo e sistematizando os processos educativos que acontecem com essa clientela. Dessa forma, produz uma proposta que respeite a cultura, resgate a historia dessa comunidade e dos hábitos camponeses.
Pode-se dizer que este conceito fundamenta-se na prática educativa desenvolvida nos movimentos sociais, nas diferentes organizações que atuam com educação, e na LDB – Leis de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9.394/96, que determina em seu art. 1º:
“A educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.
Ou seja, a LDB afirma que os indivíduos podem ser educados e se tornar cidadãos e cidadãs na vida em família, no trabalho, na escola, nas organizações sociais, por meio de sua cultura, etc. Reconhece, assim, que a escola e os espaços extra-escolares são um chão de aprendizagem para o exercício da cidadania.
Seus objetivos não são apenas a relação do Movimento com a sociedade, mas o espaço (terra) para produzir e comercializar seus produtos e ainda ser ponto de referência para trabalhadores do campo e cidade. A valorização da cultura do Campo contempla uma educação voltada para filhos de trabalhadores da terra onde recebem qualificação e preservação que garanta Projetos Políticos e Pedagógicos do Campo.
Embora se perceba que a educação do e no campo aborda um aspecto de educação formal, tendo em vista sua estrutura, pois ela é construída por eles, observa-se que os desafios enfrentados são no sentido de efetivar as lutas pelas famílias rurais, pois é um processo em construção e que tem como protagonista os próprios sujeitos do campo. O MST (Movimento dos trabalhadores Rurais) por meio de suas lutas, organizações e experiências educativas, defendem e firma uma educação como formação humana, feita por quem no campo trabalha e vive.
No contexto das lutas e das conquistas de políticas sociais e públicas de educação, persiste uma relação tensa entre os sujeitos que as reivindicam e a sua implantação. Como salienta Netto (2003, p. 16), as políticas sociais sempre são campo de tensão “(...) seja na sua formulação, onde se embatem projetos de concepção e objetivos distintos, seja na “implementação”. Elas estão articuladas a relações econômicas e políticas em determinado modo de vida social e à correlação de forças políticas das classes antagônicas na disputa de projeto. O que significa dizer que o fato de o Estado tratar a todos como se tivessem a mesma condição de acesso aos direitos sociais, concebidos apenas como direitos universais formais, produz o acirramento das desigualdades já existentes na sociedade (DUARTE, 2008). É preciso lembrar de que, na sociedade de classes, a promessa de educação para todos não significa educação de paridade, ou seja, igual a todos de direito.
Contudo, verifica-se que existem projetos que algumas Instituições tem feito com esses movimentos sociais, no sentido de proporcionar benefícios muito específicos como das pesquisas e da capacitação de professores, além disso, pedagogos de escolas municipais e estaduais, entre outros que atuam nas atividades do campo em busca de elementos para melhoria desses projetos educativos. A educação do campo também garantida pela LDB é assim especificada:
Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação as peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente;
I - Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II - Organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola;
III - adequação a natureza do trabalho na zona rural (LDB 9394/96).
A Educação Básica do Campo existe na forma de Lei, porém o Sistema Estadual de Ensino do Paraná revela que ele está historicamente incluído como parte das lutas de diversas organizações sociais e sua temática de educação da população que vive e trabalha no campo não recebe a devida atenção, tanto no âmbito das políticas públicas federais quanto estaduais. Ou seja, a Lei esta devidamente elaborada enquanto texto, porem não há uma articulação dessa realidade com aquilo que ela preconiza. Não se tem mais escolas rurais e as que existem como a citada acima, são administradas pelo movimento, desde sua filosofia, como suas determinações.
Existem muitos Projetos Políticos voltados para o homem do campo. Mas, na realidade, também mostra várias falhas quanto ao funcionamento desses projetos. Uma delas se refere à Lei quando diz que existem escolas na área rural, enquanto que por outro lado esse mesmo sistema oferece transporte escolar rural para locomoção dos alunos para escolas na área urbana. Observa-se que isso foi um dos fatores que provocou a desativadas escolas rurais. Com isso, os alunos tiveram que sair do seu meio e vir estudar em escolas da rede pública de ensino.
Verifica-se, além disso, que os conteúdos que se ensina em uma escola da rede pública urbana se distanciam muito dos conteúdos e realidades vividas por esses educando no campo, onde moram. Seria muito propicio se houvesse uma interação entre o ensino no Campo e na Cidade e que os conteúdos a ser ensinado nas escolas fossem focados na realidade vivenciada pelo educando, para que não se perca pelo caminho a cultura, costumes e hábitos dessa população sejam com relação a seu elo familiar ou social.
Referências:
SEED. Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Estado do Paraná. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo. Curitiba, 2006
ESCOLA MILTON SANTOS. MST/PR.
NETTO, José P. O materialismo histórico como instrumento de análise das políticas sociais. In:
NOGUEIRA, F. M. G. et al. (Orgs.). Estado e políticas sociais: Cascavel, PR:EDUNIOESTE, 2003 : (2003, p. 16)
DUARTE, Clarice S. A constitucionalidade do direito à Educação dos povos do campo. In:
SANTOS, Clarice (Org.). Educação do campo: Campo-políticas públicas– educação.
Brasília, DF: INCRA; MDA, 2008.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
DISCIPLINA: Tópicos Especiais em Educação: Políticas e Gestão do e no Campo no Brasil
Ensaio Teórico: Considerações sobre as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Paraná
A ONU enviou uma carta para cada país com a pergunta: "Por favor, diga honestamente qual é a sua opinião sobre a escassez de alimentos no resto do mundo". A pesquisa foi um fracasso. Os Europeus não entenderam o que era 'escassez' e os africanos não sabiam o que era 'alimento'. Os cubanos não entenderam o que era 'opinião' e os argentinos, o significado de 'por favor'. Os norte americanos nem imaginam o que seja 'resto do mundo'. O congresso brasileiro está debatendo o que é 'honestamente'. Autor anônimo
Artur W. Sperandio Furtado [1]
No ano de 2000, foi realizado em Brasília o Quarto Congresso Nacional do MST, sendo que uma das metas tiradas do evento foi a Agroecologia. Devido a necessidades estruturais, tanto para o MST quanto para a escola em si, a cidade de Maringá foi escolhida como local para desenvolvimento de tal projeto. De acordo com Bueno, [2]
“A Escola Milton Santos foi criada com o objetivo de desenvolver uma proposta de educação para o campo, onde as técnicas e as ciências pudessem estabelecer parâmetros que viessem oferecer alternativas à chamada agricultura convencional e que, portanto, estivessem voltadas para o bem estar humano, possibilitando, assim, que o homem e o meio ambiente estivessem acima do capital e do lucro. Os parâmetros trabalhados pela escola devem levar aos agricultores uma alternativa sustentável de desenvolvimento: econômico, social e ambiental”.
Tal fundamento pode ser encontrado nas Diretrizes Curriculares da Educação do Campo para o Estado do Paraná (2006, p. 27), onde consta que “[...] a educação do campo deve ter como fundamento o interesse por um modelo cujo foco seja o desenvolvimento humano [...]. Como afirma Fernandes (2005), que seja um debate da questão agrária mediante o princípio da superação, portanto, da luta contra o capital e da perspectiva de construção de experiências para a transformação da sociedade.”
Contudo, este documento trata-se de uma orientação e como tal, pode ou não ser atendida. Mesmo com os avanços na Constituição de 88 no que concerne à educação como direito de todos, na Lei 9394/96 que reconhece a especificidade do campo com respeito à diversidade cultural, além de muitos outros documentos ordinários, a realidade das escolas para a população rural continuava precária.
A Escola Milton Santos não possui vínculo com a rede estadual de ensino, sendo assim, ela deixa de ser uma escola formal, tornando-se popular, voltada para a formação de pessoas do Movimento dos Sem Terra. Ainda assim, ela está conforme as Diretrizes preconizam, pois,
“A perspectiva da educação do campo se articula a um projeto político e econômico de desenvolvimento local e sustentável, a partir da perspectiva dos interesses dos povos que nele vivem.” (p. 24).
Seu financiamento é oriundo do PRONERA, contudo, isso não garante a manutenção total da escola, o que os obriga a buscar parcerias com setores da sociedade a todo o momento. Como foi apontado durante a palestra na Escola, algumas regras para o financiamento da educação encaminham-se para o “engessamento” da própria instituição. Evidenciando que a educação do campo não ocorre somente pela existência de uma legislação, mas em grande parte pela constante luta de movimentos sociais e sociedade civil organizada.
A escola não possui funcionários e quem “move” a instituição são os próprios estudantes (que também são militantes). Se necessário, um membro da organização fará também trabalhos manuais, assim, o trabalho se torna um princípio educativo:
“É na práxis que o homem tem condições de superar a própria situação de opressão, mediante a análise de que a divisão do trabalho é característica de uma determinada formação social e não um fato natural. A práxis passa a ser condição para a ação revolucionária, de modo que os homens podem pensar o sentido de suas atividades, a sua organização política e ações conjuntas na luta contra a opressão. (PARANÁ, p. 25-26).
As práticas de subsistência estabelecidas entre o MST e sociedade, é um ponto de apoio à comercialização de produtos oriundo da reforma agrária, e acima de tudo “[...] fortalecem grupos de resistência, que se recusam a inserir-se no modelo capitalista competitivo de produção e criam alternativas para manter o vínculo com o trabalho e vida no campo [...]” (PARANÁ, p. 31).
Vivemos em um período de rápidas transformações, onde questões como meio ambiente, sustentabilidade e até mesmo o “politicamente correto” exercem pressão social sobre os indivíduos da sociedade, sendo até mesmo mercantilizados. Pensamos que o real investimento em políticas públicas possa melhorar o cenário educacional atual. E o modelo agroecológico proposto pela escola Escola Milton Santos é referência para pensarmos questões essenciais à sobrevivência da nossa própria espécie.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM
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Diretrizes Curriculares da Educação do Campo do Estado do Paraná – Escola Milton Santos.
Vânia Catarina dos Santos[1].
A Escola Milton Santos teve seu marco histórico em 10 de Junho de 2002, e inicialmente era representada pelo Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária, surgindo para contribuir no acúmulo de força, para formar o aluno pertencente ao Movimento dos Trabalhadores sem terra, possibilitando o atendimento de crianças, jovens e adultos. Foi destacado durante a explanação realizada pelas educadoras, que o atendimento abrange a formação integral dos educandos no nível de Educação Básica, desta maneira, abrangendo a Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio, Profissionalizante e EJA. Vai ao encontro com o que afirma as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo do Estado do Paraná de 2006:
A escola do campo deve corresponder à necessidade da formação integral dos povos do campo. Para tal, precisa garantir o acesso a todos os níveis e modalidades de ensino (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio e Profissionalizante, Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial), de acordo com o artigo 6o. das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, e não apenas se restringir, como usualmente, aos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Os objetivos da Escola estão intimamente ligados a relação da sociedade com o MST, desta maneira, as ações realizadas por meio da Escola visam, apoiar a comercialização dos produtos da Reforma Agrária, tornar-se referencial para trabalhadores do campo e da cidade, bem como ser referência em experiências agroecológicas.
Por meio da visita a Escola Milton Santos, foi possível perceber como se caracteriza em termos práticos uma Educação do/no Campo, voltada especificamente para esta população e realizada conjuntamente com a participação desta população. Sendo assim, contatou-se que o trabalho pedagógico realizado dentro da escola é pautado na dialogicidade, embasada por conhecimentos científicos que proporcionam ao educando maior possibilidade de atuação dentro da realidade em que está inserido. Vale lembrar a afirmação de Freire (1987, p. 67):
A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo.
Observamos em relação às considerações feitas acima, que o trabalho pedagógico realizado na Escola Milton Santos, viabiliza várias das características relatadas nas Diretrizes Curriculares da Educação Do Campo do Estado do Paraná, consideradas essenciais para a educação que se pretende construir dentro do campo, como a concepção de mundo, concepção de escola, concepção de conteúdos e metodologias de ensino, bem como concepção de avaliação.
Porém, mesmo com todas estas características destacadas e relacionadas com as práticas de Escola e o referido documento, algumas considerações devem ser feitas a cerca do assunto em questão.
O atendimento feito dentro da Escola em todos os níveis da Educação Básica, recebe recursos provindos do INCRA e PRONERA. Muitas vezes a liberação destes recursos não é viabilizada de maneira a atender as demandas nos momentos propícios. Isto evidencia a desvalorização ocorrida na Educação, mais especificamente dentro da Educação do Campo. No papel a importância, objetivos, benefícios que trará a população atingida, porém as viabilizações concretas para a efetivação do que foi proposto não chegam sequer a ser discutidas.
Percebemos que definir adequadamente uma política pública para a Educação do Campo não está dentro dos interesses dos responsáveis (dirigentes do Estado), fazendo com que a manutenção do poder continue sendo para poucos; poder este de mudar, de concretizar melhoras para a população de maneira efetiva, não só assistencialista, visando somente políticas sociais (que abrem mais uma possibilidade de subtrair da própria população recursos em forma de impostos), sem maiores possibilidades de avanços, o que nos leva a seguinte afirmação:
As políticas sociais são, assim, formas e mecanismos de relação e articulação de processos políticos e econômicos. Os processos políticos de obtenção de consentimento do povo, da aceitação de grupos e de classes e de manutenção da ordem social estão vinculados aos processos econômicos de manutenção do trabalhador e das relações de produção das riquezas. (FALEIROS, 1991, p.33)
A Educação do Campo torna-se, na maioria das vezes, uma caminhada árdua da própria população que está inserida em seu contexto e contando com a participação voluntária de quem acredita na importância e necessidade deste trabalho; o que torna ainda mais difícil sua efetivação concretamente, mesmo sendo um direito da população camponesa.
FALEIROS, V. de P. F. O que é política social. 5a. Edição, São Paulo: Brasiliense, 1991.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17a. Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Paraná. Curitiba: SEED, 2006.
[1] Aluna não regular do programa de Pós - Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM/2011
EDUCAÇÃO DO CAMPO
ENSAIO
História dos Sujeitos do Campo: Os trabalhadores temporários (bóias-frias)
Evanir Cuaio Frascarelli
Os povos do campo e seus sujeitos são representados por uma diversidade sociocultural sendo: assalariados rurais, temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados, pequenos proprietários, povos das florestas, etnias indígenas, comunidades negras, pescadores, ribeirinhos e outros (Diretrizes Curriculares da educação do campo, 2006).
O fenômeno migratório de trabalhadores das zonas rurais tem sido objeto de pesquisas por parte de estudiosos de populações e movimentos sócios de áreas afins. A partir da década de 1970, o Brasil tem apresentado uma diminuição significativa da população rural, devido às transformações ocorridas no campo com advento de tecnologias e da plantação de sementes em larga escala. A soja foi um produto que cresceu muito a partir dos anos de 1970, tornando-se a principal cultura praticada pela maior parte dos produtores agrícolas no Estado do Paraná.
A partir da década de 1970 e 1980 ocorreram modificações nas relações de trabalho no campo, havendo uma redução do trabalho familiar em pequenas propriedades ocorreu aumento dos trabalhadores temporários. Denominados de bóias-frias, esses trabalhadores atuam em fase de período colheitas ou de safras de laranja, de café, da cana-de-açúcar. Esses trabalhadores fazem parte de um contingente de pessoas desprovidas de meios de produção necessárias à sua sobrevivência e que necessita de vender sua força de trabalho utilizada pelo capital, para sobreviver.
Com a introdução de tecnologias no campo e a concentração fundiária, ocorreu a redução de trabalhos braçais no campo, com isso eliminou muitos empregos no meio rural. A tecnologia do campo trouxe o êxodo rural, a imigração para os centros urbanos.
Para Santos (1993), a população rural corresponde aos que residem e vivem diretamente do trabalho no campo e a população agrícola é aquela que mora fora do meio rural, mas que continua trabalhando no campo, a exemplo dos bóias-frias.
Visando melhorar a vida dos trabalhadores rurais temporários (bóias-frias), o governo do Estado do Paraná, Roberto Requião, juntamente com prefeituras municipais e outros órgãos, implantaram o Programa Vilas Rurais, objetivando o retorno ao campo desses trabalhadores.
Para D’INCÃO (1985), na região de Ribeirão Preto, sendo uma região canavieira e produtora de laranja, passa oferecer certa regularidade de emprego. Embora o trabalho continue sendo temporário, todos os anos a região absorve grandes contingentes de trabalhadores para o corte de cana e a colheita da laranja. Abriga trabalhadores vindos de vários estados diferentes.
Trabalhadores que já passaram pelos grandes centros urbanos e não encontraram emprego. Trabalhadores expropriados da terra, desenraizada e sem tradição, trabalhadores sem profissão, e conseqüentemente obrigados a aceitar esse tipo de trabalho.
O movimento sindical rural, de um lado, não está preparado para enfrentar as condições específicas de seu trabalho e, de outro, não dispõe de um projeto político que incorpore, de forma orgânica, as suas demandas. No primeiro caso é preciso destacar a questão da base territorial dos sindicatos e a figura do delegado sindical que não vêm se adequando às referidas condições de trabalho. A base territorial do sindicato rural é fixada pelos limites geográficos dos municípios e pode se estender com a incorporação de outros municípios, através de delegacias sindicais. Ora, esse critério não corresponde aos critérios de organização do trabalho temporário. Freqüentemente acontece de o trabalhador morar num município e trabalhar em outros, sem a necessária correspondência das bases territoriais dos sindicatos. E a dificuldade para o trabalhador é óbvia: onde encaminhar suas demandas? Como definir seu vínculo com o sindicato?(D’INCÃO, 1985).
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê jornada semanal de 48 horas de trabalho; contudo, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), muitos cortadores de cana trabalham até 12 horas por dia de segunda-feira a segunda-feira no período de safra. A exploração do homem pelo homem no campo é alarmante. O desrespeito à lei é justamente um reflexo da precarização do trabalho em decorrência de maior acumulação financeira em um menor intervalo de tempo. O corte de cana é uma atividade perigosa e insalubre, que aniquila mental e fisicamente o cortador. A atividade repetitiva e fatigante, realizada a céu aberto, sob a intensa exposição aos raios solares, com fuligem de cana queimada, poeira da terra e fumaça das caldeiras, torna a atividade no canavial um trabalho de alto risco para os lavradores.
Nos estudos de Francisco Alves (2006), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mostra as causas de mortes dos cortadores de cana. O professor Alves estipula a carga de atividade de um trabalhador num dia comum de atividades no canavial. A atividade do corte de cana exige dos trabalhadores um esforço elevadíssimo, digno de um atleta, ao caminhar, golpear, contorcer-se, flexionar-se e carregar e descarregar peso; entretanto, avalia o pesquisador, esse esforço é muito perigoso para a saúde dos trabalhadores, que estarão condenados, em poucos anos, devido à alta freqüência exigida no corte pela indústria do etanol. É comum a exploração da mão-de-obra em condições precárias, com alta carga de trabalho, baixos salários, alimentação ruim e equipamentos inadequados para os trabalhadores. O aumento da produção de etanol permite que haja um crescimento inevitável da exploração da força de trabalho.
De acordo, com a pesquisa de CECÍLIO (2004), o trabalhador rural mesmo eventual, segundo a sistemática jurídica, como é o caso dos chamados “bóias-frias”, está amparado pelos direitos do trabalho. No artigo 17 da Lei nº 5.889/73, - “As Normas desta lei são aplicáveis, no que couber, aos trabalhadores rurais não-compreendidos na definição do art. 2º que prestam serviço a empregador rural”. (p.71). Os trabalhadores têm direitos trabalhistas como: salário mínimo, descanso remunerado, jornada de 8 horas diárias e 44 semanais além de adicional por horas-extras trabalhadas. Os trabalhadores do corte de cana de açúcar, não usem equipamentos adequados, os desconhecem. Desconhecem as leis trabalhistas vivem de falta de esperança, à falta de assistência por não ter contribuído com a Providência Social, com o aparecimento de doenças decorrentes das atividades penosas e à incapacidade física para a vida produtiva.
De acordo com a Convenção nº 141 da Organização Internacional do trabalho (OIT), determina a Organização de Trabalhadores Rurais I - Aprovada na 60ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra - 1975). Foi promulga no Brasil o decreto n. 1.703, de 17/12/95; Reconhecendo que, tendo em conta a importância dos trabalhadores rurais no mundo, urge associá-los às tarefas do desenvolvimento econômico e Social se pretende melhorar suas condições de vida de forma duradoura e eficaz.
A Constituição Federal elenca em seu artigo 6º os direitos sociais, dentre os quais se situa o direito ao trabalho e, no art. 1º, estabelece os valores sociais do trabalho como um de seus fundamentos. Com efeito, trata-se o trabalho de um dos componentes da condição de dignidade da pessoa. Visa promover o estado de bem viver, assegurando o sustento do trabalhador e de sua família, a saúde, o lazer e o progresso material.
Os direitos sociais, notadamente os relativos ao trabalho, demandam do Poder Público uma obrigação positiva, de atuação concreta, notadamente com a inclusão social do indivíduo, satisfazendo sua necessidade de subsistência, garantindo uma existência material mínima, direito público subjetivo da pessoa humana, em contraposição à obrigação estatal de satisfazer a necessidade ou interesse social ou econômico tutelados pelo Direito.
No o artigo 23, da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que:
1 - Toda a pessoa tem o direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho as condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2 - Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3 - Quem trabalha tem direito a uma remuneração eqüitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme que a dignidade humana e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 4 – Toda pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa de seus interesses.
O trabalho excessivo dos para aumentar a produtividade, somado às suas características de repetição, monotonia e desgaste, e à péssima infra-estrutura nas lavouras e demais condições insalubres próprias da atividade, redundam na precarização da saúde dos trabalhadores temporários. Impossibilitando o trabalhador de relacionar-se adequadamente com sua família, além de impedir a socialização e a construção de uma identidade político-social que possibilite, inclusive, a mobilização para luta por direitos.
Referências:
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outro de 1988.Brasília:Senado Federal, Subsecretária de Edições Técnicas,2004.
CECÍLIO, Maria Aparecida – Lavrar e brincar: o trabalho precoce e as conseqüências para o desenvolvimento. Grf. Massoni. Maringá, 2004.
Declaração Universal dos Direitos Humanos – Site:http://www.oas.org- acesso:10/09/2011.
Decreto Legislativo nº 5 de 1993 – Aprova o texto da Convenção nº 141 – da Organização Internacional do Trabalho – Site:WWW.institutoamp.com.br. acesso:11/09/2011.
Diretrizes da Educação do Campo. Governo do Estado do Paraná. SEED. Curitiba, 2006.
D’INCÃO, Maria Conceição – Bóias-frias, desafio para o sindicato rural? Revista Lua Nova vo.1 nº 4 São Paulo. Março. 1985
Os trabalhadores do Setor Sucroalcooleiro – ALVES, Francisco – Universidade de São Carlos (2006) – Site:http://WWW.apropucsp.org.br. acesso dia 10/09/2011.
SANTOS, M. A. O retorno. Elemento constitutivo da condição do imigrante. Travessia, ano XII, jan.2000.
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Ensaio Teórico: Considerações sobre as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Paraná
Daiane Letícia Boiago[1]
A luta pela elaboração e concretização de uma política pública para educação do campo no Brasil, é algo que vem sendo discutido há muito tempo, e que, no entanto ganha destaque apenas a partir da década de 1990, período no qual a educação passa a ser o centro dos debates. Tendo fortes influências de agências multilaterais, a educação passa a ser vista como estratégia para redução das desigualdades sociais e fator de desenvolvimento econômico do país.
O contexto da década de 1980 e inicio dos anos de 1990 é marcado por alguns acontecimentos que impulsionaram a elaboração de uma legislação nacional que garantisse o atendimento de todas as populações, em seu direito a educação. A saber, a exposição dos conflitos que vinham ocorrendo no campo, à criação do MST, a reestruturação do Estado brasileiro, incentivou os movimentos sociais, e em particular a população campesina[2], na luta em prol de seus direitos sociais.
Em 1988 com a elaboração da Constituição Federal, a educação passa a ser direito de todos e dever do Estado. Mesmo sendo o Brasil um país com características agrárias, as constituições que antecedem a CF de 1988 não mencionam a questão da educação do campo, até então chamada de educação rural. Segundo o Ministério da Educação (2001, p. 3) essa ausência de arcabouço legal para com a educação do campo representa “[...] de um lado o descaso dos dirigentes com a educação do campo, e de outro, os resquícios de matrizes culturais vinculadas a uma economia agrária apoiada no latifúndio e no trabalho escravo”.
Apesar de a Constituição de 1988 não dispor diretamente sobre a educação do campo, ao garantir o direito de todos à educação, independente de residirem na zona urbana ou rural, “[...] os princípios e preceitos legais da educação abrangem todos os níveis e modalidades de ensino ministrado em qualquer parte do país [...]” (MEC, 2001, p. 10), o que indiretamente abrange a educação do campo.
O corpo legal da Constituição de 1998 possibilitou que em 1996 com a elaboração da nova Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB), a educação rural ganhasse destaque, sendo garantida no artigo 28 da referida lei, ao apregoar que “[...] na oferta da educação básica rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias para sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região [...]”. Os dispositivos seguem no sentido de elaborar o currículo e a metodologia conforme as necessidades e os interesses dos alunos, assim como adequação do calendário escolar ao contexto agrícola (BRASIL, 1996).
Apesar de a LDB de 1996, deixar a desejar quanto às especificidades do campo, uma vez que esta ainda se refere a uma educação rural, é a partir dela que os movimentos sociais têm a possibilidade de reivindicarem seus direitos, evidenciando a urgência em se organizar uma educação do campo pública no Brasil. A LDB reconhece a diversidade do campo, porém mesmo com os avanços na legislação a realidade das escolas para a população rural ainda continua precária.
Os espaços de debates possibilitados pela LDB e as Conferências realizadas no final da década de 1990, em articulação com a mobilização dos movimentos sociais, resultaram na construção de um novo paradigma de educação do campo, em oposição à educação rural, buscando a elaboração de uma legislação específica para a educação do campo.
Em resposta aos movimentos, com destaque ao MST, em 2001 é elaborada as Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo, parecer n° 36/2001 da relatora Edla de Araújo Lira Soares. O relatório que acompanha as Diretrizes apresenta o contexto histórico do caminho percorrido pela educação do campo, dando ênfase a divida histórica que o país tem para com a população do campo, que ao longo da história ficou a margem da sociedade.
A concepção de educação do campo proposta pelas diretrizes vai além da concepção de educação rural que se tinha, a saber, uma educação que considerava apenas a dimensão econômica. A nova concepção abrange a emancipação humana, o atendimento as especificidades do campo, levando em consideração aspectos da cultura campesina, da identidade dos sujeitos em questão, as relações sócio-ambientais e também as organizações políticas.
Sendo a educação, e consequentemente a educação do campo, responsabilidade do Estado, e os Estados autônomos quanto à elaboração de suas leis, no período de
A construção das Diretrizes Curriculares da Educação do Campo é mais um passo importante na afirmação da educação como um direito universal, pois vem auxiliar o professor a reorganizar a sua prática educativa, tornando-a cada vez mais próxima da realidade dos sujeitos do campo, criando assim um sentimento de pertencimento das crianças e adolescentes, que vão ter na escola um trabalho educativo com sentido em suas vidas.
São muitos os avanços conquistados nas Diretrizes do Estado do Paraná, principalmente no reconhecimento da necessidade de uma educação do e no campo, ou seja, que ela também seja ofertada no campo, com um currículo próprio, e professores preparados.
Os progressos na legislação educacional para uma educação do campo, principalmente no Estado do Paraná, um dos Estados mais bem organizados em relação à oferta dessa modalidade educativa, nem sempre vem seguido de medidas efetivas. Pode-se perceber que as políticas para educação do campo ainda se constituem enquanto políticas de governo, e não de Estado, ficando a mercê de mudanças de um governo para outro.
As escolas que conseguem se organizar para ofertar a educação do e no campo, a exemplo a Escola Milton Santos, com cede na cidade de Maringá – PR, mesmo em condições ainda precárias, vem se organizando de forma a atender as exigências das Diretrizes do Estado do Paraná, assim como da legislação educacional Nacional. Todavia, a escola vem desenvolvendo um trabalho que busca de fato a efetivação da gestão democrática, na qual o trabalho conjunto é a base de todas as atividades desenvolvidas.
Mesmo tendo uma autonomia relativa, as escola do campo, em especial a escola Milton Santos, vem trabalhando na contramão do capital, buscando na contradição existentes nas políticas públicas e no Estado, realizar a formação dos sujeitos sem-terra, os quais tiverem seus direitos educacionais expropriados, buscando a emancipação humana e política, a fim de formar sujeitos ativos e militantes na luta em prol da reforma agrária, dos direitos humanos e sociais.
REFERÊNCIAS
BRASIL; MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9394/96, de 20 de dezembro de 1996.
MEC/CNE. Diretrizes Operacionais para a Educação nas Escolas do Campo. Parecer n. 36/2001 aprovado em 04 de dezembro de 2001. Brasília, 2001.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Paraná. Curitiba: SEED, 2006.
[2] Entende-se por população campesina, “[...] posseiros, bóias-frias, ribeirinhos, ilhéus, atingidos por barragens, assentados, acampados, arrendatários, pequenos proprietários ou colonos ou sitiantes – dependendo da região do Brasil em que estejam – caboclos dos faxinais, comunidades negras rurais, quilombolas e, também, as etnias indígenas [...]” (PARANÁ, 2006, p. 24-25).
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
DISCIPLINA: Tópicos Especiais em Educação: Políticas e Gestão do e no Campo no Brasil
Ensaio Teórico: Considerações sobre as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Paraná
Caroline Mari de Oliveira[1]
As Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Paraná foi produzida entre 2005 e 2006 pela Secretaria de Estado da Educação – SEED/PR em conjunto com a Coordenação da Educação do Campo da SEED/PR. Esta articulou-se junto ao arcabouço legal que se constituiu no final da década de 1990, para a Educação do Campo no Brasil e no Paraná, reconhecendo que o Estado brasileiro possui uma dívida histórica com os povos do campo que foram expropriados do direito de estudar e produzir conhecimentos em seu local de vida e produção de subsistência.
O Brasil desde sua fundação é um país com grandes características agrárias, historicamente falando, a educação aos sujeitos do campo passou a ser discutida a partir das primeiras décadas do século XX, quando houve intensos movimentos migratórios entre o campo e cidade, produzindo o crescimento da população nas cidades devido a atração de forças de trabalho às atividades industriais realizadas nos centros urbanos. Essa situação fez com que tivesse início a questão da Educação Rural no Brasil, marcada em quatro períodos, no qual o primeiro período datado até 1930 consiste na negação dos camponeses enquanto sujeitos sociais.
No segundo período a Educação Rural evidenciou o atraso cultural campo/cidade e o desenvolvimento da educação para os camponeses com caráter assistencialista até 1950. O terceiro período datado a partir da década de 1960 teve influência de Paulo Freire na educação da classe trabalhadora, valorizando o sujeito social e sua prática sociocultural. Com o golpe militar em 1964, houve um recuo nos projetos educacionais com caráter emancipatório. Na década de 1970 com a Lei nº 5692/1971 não houve avanços na Educação Rural e não se discutia o ensino de 2º grau (Ensino Médio) para as escolas rurais.
No quarto período a partir da aprovação da Constituição Federal Brasileira de
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB nº 9394/1996 foi reconhecida a diversidade do campo, orientando no artigo 28 o atendimento educacional aos sujeitos do campo, bem como orientou nos artigos 23 e
A partir da publicação do artigo 28 da LDB Lei nº 9394/1996 foram abertos espaços públicos para a articulação da Educação do Campo como política pública educacional opostas às políticas para a Educação Rural predominante no Brasil, as quais tem marginalizado os sujeitos do campo. Os sinais de mudança explícitos na década de 1980 e, principalmente, na década de 1990 em relação a Educação do Campo decorre das lutas sociais entre movimentos e organizações sociais voltadas aos camponeses vinculados a conquista de seus direitos, o qual está na agenda de reinvindicações do MST desde sua concepção.
Apesar da “conquista” de três artigos voltados à diversidade campesina em uma lei de educação nacional, pode-se perceber que a temática da educação para a população que vive e trabalha no campo não recebeu a devida atenção no âmbito das políticas públicas federais e estaduais.
No final da década de 1990, principalmente a partir da publicação do Artigo 28 da LDB nº 9394/1996, foram abertos espaços de discussões entre a sociedade civil organizada e o Estado. Em função dessas discussões foram realizados alguns eventos para que se pudesse discutir o conceito de Educação do Campo, a identidade das escolas camponesas e as práticas pedagógicas necessárias ao aprendizado das populações que trabalham e residem em áreas rurais.
Assim em 1997 foi realizado o I Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA), organizado pelo MST, com apoio da UnB e Unicef, entre outras entidades que tiveram como desafio pensar a educação pública a partir do mundo do campo, considerando o seu contexto, cultura, diferentes maneiras de conceber o tempo, o espaço, o meio ambiente, a produção de alimentos, sobretudo ao modo de viver e organizar a família e o trabalho.
Como os desafios traçados no I ENERA eram grandes a ser conquistados e o movimento em prol da Educação do Campo no Brasil estava efetivado, em 1998, foi lançada uma agenda educacional que contemplava a Educação do Campo na I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, contando com a parceria entre MST, UnB, Unicef, Unesco e CNBB. Assim, esses foram os principais espaços públicos que marcaram a construção da educação do campo oposta as políticas para a Educação Rural predominante no Brasil, sobretudo, sinalizando uma mudança conceitual de Educação Rural para Educação do Campo.
Na perspectiva de diferenciar a concepção de campo e rural é necessário compreender que o campo é um conceito político que considera as particularidades dos sujeitos sociais e não apenas sua localização espacial e geográfica. A concepção contrária ao campo é o rural, o qual é pensado a partir de uma lógica economicista, e não como um lugar de vida, de trabalho, de construção de significados, saberes e culturas. Pode-se dizer que o rural é o campo do agronegócio que expropria as famílias de trabalhadores rurais das formas de produção de vida camponesa.
O campo é caracterizado pelo jeito peculiar de se relacionar com a natureza, o trabalho na terra, a organização das atividades produtivas, mediante mão-de-obra familiar, sua história, cultura e valores que enfatizam as relações familiares e de vizinhança, valorização das festas comunitárias e de celebração da colheita, essas e outras questões vinculam uma rotina de trabalho no campo que nem sempre seguem o relógio mecânico que acelera o sociometabolismo do capital.
As categorias sociais que o campo aborda são os posseiros, bóias-frias, ribeirinhos, pescadores, ilhéus, atingidos por barragens, assentados, acampados, arrendatários, meeiros, pequenos proprietários, colonos ou sitiantes, vileiros rurais, caboclos dos faxinais, povos das florestas, comunidades negras rurais, quilombolas e, também, as etnias indígenas.
A identidade política coletiva dos sujeitos do campo se constituiu a partir da organização das categorias sociais em movimentos sociais, a exemplo do MST, das etnias indígenas, dos quilombolas, dos atingidos por barragens e também daqueles que estão articulados ao sindicalismo ruralista combativo.
Após inúmeros debates e reivindicações, no final da década de 1990, pela efetivação da educação aos povos do campo que foi historicamente marginalizada na construção de políticas públicas educacionais que, ainda, visam a adaptação dos conteúdos e currículos da escola urbana para a escola do campo como no caso do Artigo 28 da LDB nº 9394/1996. É urgente discutir uma Educação do Campo pública no Brasil que considere a cultura, os saberes a experiência, a dinâmica do cotidiano dos povos do campo a fim de organizar o sistema de ensino, a formação de professores e a produção de materiais didáticos.
Para tanto, no início do século XXI foi aprovado o Parecer nº 36, de 04 de dezembro de 2001 e a Resolução nº 1 do Conselho Nacional de Educação e pela Câmara de Educação Básica de 03 de abril de 2002 que estabelece as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, a qual teve como relatora a Profª. Drª. Edla de Araújo Lira Soares que apresentou um conjunto de princípios e procedimentos para as escolas do campo, materializando as expectativas do ponto de vista da legislação federal em torno das mudanças na Educação do Campo no Brasil.
No Paraná os movimentos sociais do campo e o Estado dialogaram sobre a identidade dos sujeitos do campo, direitos à educação vinculado a um projeto de desenvolvimento cultural, social, ambiental, econômico, mística, desenvolvimento sustentável, agroecologia, organização social do trabalho e entre outros, principalmente, na II Conferência Estadual por uma Educação do Campo realizada
Em âmbito nacional, no Paraná teve destaque o cenário de reinvindicações para a luta de políticas públicas educacionais aos camponeses. Uma de suas ações, decorrente da conquista de espaços públicos dos movimentos sociais organizados foi a implementação da Coordenação de Educação do Campo na SEED/PR, em 2003, e das Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Estado do Paraná, em 2006, para complementar as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.
Para iniciar uma discussão sobre as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Estado do Paraná é necessário não perder de vista algumas questões norteadoras de sua elaboração para efetivar o debate. A primeira questão é: O que significa para o Paraná ter uma diretriz para a Educação do Campo? Para quem se destina? Quem são os sujeitos que participaram do processo de construção das Diretrizes? Quais foram os mecanismos de articulação entre os sujeitos pertencentes ao campo e os sujeitos do Estado? As Diretrizes para a Educação do Campo sempre foi intenção governamental? Como as comunidades camponesas enxergam a elaboração e a execução das Diretrizes?
Essas e outras questões serão respondidas ao longo da exposição/reflexão das Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Estado do Paraná neste ensaio teórico. As Diretrizes Curriculares para a Educação do Campo no Paraná é direcionada aos professores como um documento oficial que traz as marcas da construção da Educação do Campo no Paraná, objetivando a motivação desses para a observação e apropriação do campo brasileiro, oferecendo a ampliação dos conhecimentos escolares aos sujeitos do campo que têm direito a uma educação pensada no campo e do campo, ou seja, desde o seu lugar e com a sua participação atrelada à sua cultura e relações sociais.
Na elaboração das Diretrizes objetivou-se o chão da escola e a elaboração de estratégias para nortear o trabalho do professor, garantindo a apropriação dos conhecimentos para os educandos e auxiliando o professor a reorganizar a sua prática educativa, tornando-a mais próxima da realidade dos sujeitos do campo. As Diretrizes orientam aos professores que façam uma reflexão sobre a Educação do Campo e que os mesmos possam efetivar participações críticas visando à ação transformadora propostas num currículo dinâmico e democrático, visando a universalização da educação pública. Sendo assim, para o Estado do Paraná as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo “denotam um importante instrumento para a construção de uma educação pública e gratuita de qualidade, presente e que respeite e valorize a diversidade humana” efetivando a construção de uma sociedade mais justa e solidária (PARANÁ, 2006, p. 9).
Para implementar as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo o Estado do Paraná entendeu que a sociedade brasileira tem uma dívida histórica com os sujeitos do campo, já que no processo de industrialização e modernização econômica do país a educação para a classe trabalhadora do campo ficou à margem das políticas educacionais, pois pensava-se que a educação não era necessária para o jeca, o caipira, o camponês que para trabalhar com a enxada não precisaria ler e escrever e além disso não precisaria compreender as contradições produzidas pelo sistema capitalista.
A partir da década de 1980 os movimentos sociais do campo, principalmente, o MST, tem colocado em pauta de debate as contradições sociais da sociedade brasileira, denunciando a concentração de terra e renda e altos níveis de pobreza. Assim, tem presença a questão agrária que surge proveniente de circunstâncias históricas determinadas e passa a integrar o cenário de tensões e conflitos no campo que mediatizam a dinâmica social e política do Brasil. Dentro das pautas de reivindicação do MST pela questão agrária se insere a luta por educação que corresponda à necessidade da emancipação humana dos povos do campo.
No final da década de 1990, o MST juntamente a outros movimentos sociais do campo e algumas iniciativas governamentais que foram impulsionadas pela sociedade civil organizada, conquistaram espaço na agenda política para discutir e implementar políticas públicas para a Educação do Campo. Para tanto, fez-se necessário apontar diretrizes para contribuir com o trabalho pedagógico nas escolas do campo.
O conteúdo das Diretrizes Curriculares da Educação do Campo resulta do debate empreendido entre a sociedade civil organizada e o Estado do Paraná, por meio de Seminários Estaduais de Educação do Campo promovidos desde o ano de 2004 pela Coordenação da Educação do Campo, SEED, com o apoio do Ministério da Educação – MEC e com a participação dos movimentos e organizações sociais, secretarias municipais de educação, universidades públicas e professores da rede pública de ensino.
É necessário compreender que a elaboração das Diretrizes Curriculares da Educação do Campo só tem sentido a partir das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Parecer CNE/CEB nº 36, de 4 de dezembro de 2001 e Resolução CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de 2002) que representam uma concepção político pedagógica voltada a dinamizar a ligação dos seres humanos com as condições de existência social (relação com a terra, o meio ambiente, os diversos saberes, a memória coletiva e os movimentos sociais) impulsionados a lutar por questões voltadas a qualidade social da vida coletiva no país.
Assim a identidade da escola do campo é elemento fundamental para sua definição enquanto espaço educativo para os sujeitos do campo atrelados a realidade camponesa e aos saberes próprios dos estudantes. A Educação do Campo precisa garantir o acesso de todos os níveis e modalidades de ensino, a saber: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio e Profissionalizante, Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial e não apenas a Educação Básica, que diante da nova conjuntura econômica e política é entendida somente pela focalização no Ensino Fundamental.
Segundo as Diretrizes (2006) as características da Educação do Campo que se pretende construir estão pautadas em quatro concepções, a saber: 1)- concepção de mundo: o ser humano é sujeito da história, não é atrasado e submisso; possui um jeito de ser peculiar; cria alternativas de sobrevivência econômica num mundo de relações capitalistas selvagens; 2)- a concepção de escola: local de apropriação de conhecimentos científicos construídos historicamente pela humanidade. A escola deve ser o local que possibilite a ampliação dos conhecimentos e os aspectos da realidade podem ser pontos de partida do processo pedagógico, mas nunca o ponto de chegada. Os povos do campo estão inseridos nas relações sociais do mundo capitalista, portanto é na escola que essas relações precisam ser desveladas e compreendidas podendo avançar na superação das contradições inerentes ao capitalismo; 3)- concepção de conteúdo e metodologias de ensino: conteúdos escolares selecionados a partir do significado que têm para determinada comunidade escolar; estratégias metodológicas dialógicas, nas quais a indagação seja frequente exigindo do professor muito estudo, preparo das aulas e o desafio de relacionar os conteúdos científicos aos do mundo dos educandos; 4)- concepção de avaliação: processo contínuo e realizado em função dos objetivos propostos para cada momento pedagógico, é um diagnóstico do processo pedagógico do ponto de vista dos conteúdos trabalhados, dos objetivos, da apropriação e produção de conhecimentos. A concepção de avaliação é pensada para além das atribuições de notas aos alunos, mas como um diagnóstico do processo pedagógico que faz emergir os aspectos que precisam ser modificados ou não na prática pedagógica.
Para a Educação do Campo ser pauta das Diretrizes paranaenses atendendo a demanda social dos sujeitos sociais do campo, foi necessário a escuta dessas demandas como mecanismo de construção da Educação do Campo no estado do Paraná. A partir desse mecanismo se constituiu a escuta dos povos do campo, a sua sabedoria e críticas; a escuta dos educandos e suas observações em relação à escola e sala de aula; a escuta dos professores das escolas do campo e dos sujeitos que fazem parte do processo educativo como a comunidade escolar, os estados, governos e as esferas municipais, estaduais e federal. Por meio desse processo de escuta dos sujeitos expostos acima foram propostas políticas e ações pedagógicas necessárias às escolas públicas camponesas.
Para que os conteúdos escolares sejam apropriados e entendidos dentro das problemáticas centrais da Educação do Campo, as Diretrizes apresentam os eixos temáticos e as alternativas metodológicas a fim de valorizar os educandos, os saberes da experiência efetivando uma educação que supere a dimensão enciclopedista e burguesa por meio da prática social de todos os envolvidos no ato pedagógico.
Os eixos temáticos são entendidos como problemáticas centrais a serem focalizadas nos conteúdos escolares. Foram formulados a partir de relatos de professores em encontros realizados em todo o Estado, bem como, com o debate empreendido por diversos movimentos e organizações sociais demonstrando temas que carecem de ênfase no ambiente escolar camponês.
Entre os eixos temáticos estão: Trabalho: divisão social e territorial; Cultura e Identidade; Interdependência campo-cidade, questão agrária e desenvolvimento sustentável e Organização política, movimentos sociais e cidadania.
Trabalho: divisão social e territorial: o trabalho é a categoria central da atividade humana, pois é por meio dele que ocorre a transformação da natureza e do próprio ser humano. É pelo trabalho que o homem se constitui como ser social.
Se o trabalho é atividade humana que gera transformação humana e territorial, então é necessário entender como o trabalho esta organizado na sociedade capitalista, a saber, pela divisão do trabalho social. A divisão do trabalho entendida pelo capital perpassa sobre a perspectiva do aumento da produtividade e do lucro. A divisão do trabalho engendrados na prática produtiva do campesinato persiste não em função do aumento da produtividade de mercadorias e geração de lucros, mas na organização da atividade humana em função das especialidades das características sociais, podendo ser organizada em função da cultura, idade, sexo, organização familiar ou nas particularidades de cada atividade produtiva.
A divisão territorial do trabalho demonstra a organização dos países (em relação ao âmbito econômico, político e social) e a função que cada um ocupa no âmbito internacional. Por exemplo, o Brasil foi e tem sido grande produtor de matéria-prima e exportador desses produtos, apesar de possuir um parque industrial bastante considerável.
A categoria trabalho pode ser trabalhada por meio de inúmeras possibilidades de seleção de conteúdos desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Diante disso, o trabalho é elaborado na prática social e política, envolvendo a construção da identidade de classe e a organização política do campesinato.
Cultura e Identidade: Trata-se de elementos culturais que caracterizam os diferentes sujeitos no mundo e, portanto, os diferentes povos do campo. Não podendo ser resumida apenas a manifestações artísticas, devendo ser compreendida como os modos de vida, costumes e relações de trabalho, familiares, religiosas, de diversão, festas, etc. Valorização a cultura dos povos do campo significa criar vínculos com a comunidade e gerar um sentimento de pertença ao lugar e ao grupo social. A cultura é gerada na prática social produtiva de cada uma das categorias sociais dos povos do campo.
Portanto, valorizar a cultura e identidade significa valorizar os povos do campo e criar vínculos com a comunidade, gerando um sentimento de pertença ao lugar e ao grupo social no qual está inserido. Levar os aspectos culturais e de identidade para as escolas do campo possibilita que o educando compreenda o mundo e possa transformá-lo por meio de reflexões e produção de conhecimentos.
Interdependência campo-cidade, questão agrária e desenvolvimento sustentável: A interdependência campo-cidade ficou evidenciada a partir do século XX com o início da industrialização no Brasil. Diante desse fato os camponeses foram atraídos a migrar para as cidades a fim de trabalhar nas atividades industriais. No campo houve uma ampliação de concentrações de terra e de políticas agrícolas voltadas a modernização agrícola conservadora, excluindo os trabalhadores do campo e silenciando a questão agrária.
O marco situacional do Brasil desde então é pautado pela concentração de riqueza e capital nas mãos de poucos proprietários de terras, enquanto as pequenas parcelas de terra estão nas mãos dos trabalhadores do campo. Nas cidades houve a ampliação do número de favelas e moradias precárias que geralmente são assoladas pelo narcotráfico. Para as populações mais vulneráveis tanto das cidades quanto do campo são destinados políticas afirmativas de alívio à pobreza, as quais designam pacotes sociais para “acalmar” os ânimos da população que carece de elementos básicos para sua sobrevivência, como alimentação, moradia, saúde, educação, vestimenta e entre outros.
A alimentação, elemento principal para subsistência, é exemplo da necessidade da atividade produtiva no campo, ainda que muitos alimentos sejam produzidos em laboratórios, a partir da alimentação discute-se o desenvolvimento sustentável, pois cada vez mais a saúde humana carece de produtos livres de agrotóxicos. Assim, surge o debate da produção agroecológica, princípio de produção do MST.
A interdependência campo-cidade pode ser problematizada em atividades cotidianas e das necessidades sociais básicas, como alimentação e água potável. O desenvolvimento sustentável requer um projeto político de sociedade que contemple a dimensão socioambiental do ser humano, da sociedade e do planeta (PARANÁ, 2006, p. 34).
Embora o censo do IBGE aponte cerca de 18% da população brasileira residindo no campo, a realidade da maioria dos pequenos municípios é de predomínio de características econômicas e socioculturais rurais. No Paraná, existem 399 municípios. No Estado encontramos 14 áreas de remanescentes de Quilombos, conforme informações fornecidas pela Fundação Cultural Palmares; 44 Faxinais, que mantêm a organização social típica do Sistema Faxinal; Quatro etnias indígenas, distribuídas em 17 terras indígenas; 400.000 trabalhadores assalariados bóias-frias; 70 acampamentos, segundo informações do MST; 311 assentamentos de reforma agrária, segundo informações do INCRA.
A distribuição agrária no Paraná, segundo dados FAO/INCRA de 1996: 86,89 % agricultura familiar e 11,97% agricultura não familiar (capitalista, patronal e latifundiária). Os dados mais recentes indicam 86,89% da agricultura familiar detêm 40% das terras cultiváveis, enquanto os 11,97% da agricultura não-familiar possuem 60% das terras cultiváveis do Paraná. Contudo, é a agricultura familiar, na região sul, a responsável pela maior produção de alimentos.
Organização política, movimentos sociais e cidadania: No Brasil e também em outros países a organização política tem relação com a representação político-partidária, porém não consiste somente nisso. Há a existência de movimentos sociais, associações comunitárias, organizações sociais etc. que indicam a organização política para lutar por direitos em determinados locais. No Brasil, existem movimentos tanto da classe trabalhadora quanto da classe proprietária.
Historicamente, os povos do campo se organizaram em movimentos sociais para reivindicar melhorias nas condições de trabalho, renda, indenizações, divisão de terra, educação, saúde, moradia, etc. de forma a garantir a produção de subsistência. A questão agrária é um dos principais elementos de luta no Brasil devido a grande concentração de terras dos produtores rurais que por vezes mantém suas terras sem qualquer função social.
As organizações políticas dos povos do campo são: indígenas, Quilombo dos Palmares, Ligas Camponesas, Conflito do Contestado, Revolta dos Colonos no Sudoeste do Paraná, Conflito de Porecatu, Lutas dos Bóia-frias, Movimento dos Atingidos por Barragens, MST e organização de novas faces do sindicalismo rural combativo. Todos envolvidos em organizações políticas em prol ou contra a reforma agrária no país.
É importante ressaltar que o resgate das lutas por direitos civis, políticos e sociais é extremamente importante para a construção da cidadania no país. A organização política pode começar no âmbito escolar, nas características de gestão e trabalho que pode ser mais democrática ou autoritária. É na escola que toda a comunidade escolar pode se organizar para indicar formatos políticos, apresentar demandas sociais e fazer denúncias em torno das políticas públicas.
Os movimentos sociais lutam para conquistar os direitos sociais como educação, saúde, trabalho, moradia entre outros; lutam, portanto, pela conquista da cidadania como direito e como dever (PARANÁ, 2006, p. 37). É a partir do estudo deste eixo que os professores podem analisar juntamente com os educandos as condições existenciais desses sujeitos que lutam por algo, a fim de compreender os enfrentamentos políticos e as lutas sociais historicamente. Ademais, são os movimentos sociais que impulsionam, que dão motor a sociedade no sentido de conquista de leis e garantias sociais denunciando as contradições provenientes dos interesses burgueses.
As alternativas metodológicas fazem parte do processo de apropriação e construção de conhecimentos gerais, pedagógicos de cada área trabalhada nos eixos temáticos. Referem-se à valorização do ser humano que está diretamente no ambiente da sala de aula; à valorização dos saberes da experiência; a uma educação que supere a dimensão apenas enciclopédica e valorize a prática social dos envolvidos no ato pedagógico.
Os saberes escolares localizam-se em dois planos: os saberes da experiência trazidos pelos alunos, os saberes da experiência trazidos pelos professores, somados aos específicos de cada área do conhecimento e aos gerais.
Para que se efetive a valorização da cultura dos povos do campo na escola, é necessário repensar a organização dos saberes escolares, isto é, os conteúdos específicos a serem trabalhados. As experiências apresentadas pelos professores nos Encontros Descentralizados sinalizam que esta reorganização pode se dar de duas formas: a primeira forma ocorre no interior das diferentes disciplinas da Base Nacional Comum (Língua Portuguesa, Artes, Educação Física, Matemática, Ciências, História, Geografia, Ensino Religioso, Língua Estrangeira Moderna, Biologia, Física, Química, Sociologia e Filosofia), articulando os conteúdos sistematizados com a realidade do campo.
Para isso, é necessário responder a alguns questionamentos: que conteúdos culturais dos povos do campo devem estar presentes nas disciplinas para que instrumentalizem os alunos a compreenderem o mundo em que vivem? Quais são os saberes dos povos do campo que precisam integrar os currículos das disciplinas?
A segunda forma ocorre pela criação de disciplinas para compor a parte diversificada da matriz curricular. O município de Francisco Beltrão é um bom exemplo dessa possibilidade, pois foi criada a disciplina Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS, que atualmente integra o currículo de 5.ª a 8.ª série do Ensino Fundamental.
Outra possibilidade é pensar a interdisciplinaridade nas escolas que pode ser um dos caminhos para superar o trabalho pedagógico fragmentado, assim como repensar o espaço escolar e as formas de encaminhamento metodológico que induzem a uma reorganização dos tempos escolares.
A organização do tempo e do espaço escolar devem ser repensados nas práticas pedagógicas dos professores, bem como a diversificação dos ambientes de aprendizagem como uma aula na mata, na ilha, no acampamento, no assentamento, na associação comunitária, na roça ou na cooperativa, dentre tantos outros lugares, pode levar uma manhã toda, numa sequência de encontros, para que os alunos compreendam as relações sociais de produção e o processo de criação da mercadoria, circulação e de consumo.
Em relação aos tempos pedagógicos é reconhecido o fato de que a lógica temporal não tem contribuído para uma aprendizagem crítica dos conteúdos, devido à fragmentação do trabalho, dos conteúdos e das relações humanas. É necessário considerar a dinâmica da vida no campo, com os seus ciclos produtivos, período de pesca e turismo, épocas de chuvas que podem ser levados em conta durante a elaboração do calendário escolar. Ademais, a LDB nº 9394/1996 respalda que o calendário escolar seja organizado em função das particularidades de cada lugar.
Outra questão característica dos espaços escolares do MST é o tempo de alternância, tempo escola e tempo comunidade, os quais avançam o debate sobre o aproveitamento do tempo na escola e na comunidade, é exemplo dessas práticas a Escola Milton Santos (Maringá/PR). Essas práticas nos mostram que a construção do tempo escolar é algo histórico e que na perspectiva da Educação do Campo essa lógica temporal construída historicamente não tem contribuído para uma aprendizagem crítica dos conteúdos e, sobretudo, das relações humanas.
Para finalizar o debate, é importante salientar que as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Estado do Paraná foram construídas com o intuito de complementar o Artigo 28 da LDB nº 9394/1996, das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo Parecer nº 36, de 4 de dezembro de 2001 e Resolução nº 1, de 3 de abril de 2002. Entretanto, sendo ela um documento de caráter orientador/diretivo aos professores da rede pública do Estado do Paraná, esta pode ser ou não seguida pelos Núcleos Regionais de Educação, municípios, escolas e professores no Paraná.
A exemplo dessa afirmação, temos os resultados da pesquisa de mestrado realizada pelas Profª. Msc. Marciane M. Mendes e Profª. Drª. Tânia M. Garcia (UFPR) que afirmam que de 1.800 professores da rede pública do Paraná, que responderam os questionários de pesquisa a fim de analisar o conhecimento desses professores que atuam em escolas do campo com as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, 681 afirmaram conhecer o documento, enquanto 1.119 desconhecem-o.
Sobre a questão do conhecimento das Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Estado do Paraná, contatou-se que de 1.800 professores entrevistados, somente 833 conhecem o documento, enquanto que 906 afirmam não conhecer e 140 não responderam a questão o que indica o desconhecimento das Diretrizes.
Apesar, dos esforços introduzidos à elaboração e uso das diretrizes, os números de desconhecimento de toda perspectiva da Educação do Campo é alarmante por parte dos sujeitos relacionados às escolas da rede pública funcionais em áreas rurais no estado do Paraná. Assim, pode-se afirmar que o currículo utilizado pelas escolas do campo têm resultado de adaptações do currículo de escolas urbanas, as quais não cabem dentro das características camponesas, pois não respeitam seu tempo escolar apropriado, contribuindo com uma formação acrítica dos sujeitos do campo, bem como atrapalhando as lutas dos movimentos sociais do campo em implementar uma educação para além do capital que vise a formação de sujeitos emancipados humanamente.
Portanto, aos educandos e educandas, trabalhadores e trabalhadoras rurais, enfim sujeitos sociais do campo e a todos que lutam por um outro projeto de educação nesse país, é preciso saber que no Brasil existem leis, documentos, diretrizes, referências que não se materializam por concreto na prática, portanto, é necessário continuar na luta pela Educação do Campo atrelada a luta da Reforma Agrária, mostrando que uma escola com outra perspectiva, contrária ao capital é possível mediante a luta dos movimentos sociais do campo organizados em prol da emancipação humana.
Referências:
MENDES, Marciane Maria; GARCIA, Tânia Maria F. Braga. Professores da escola do campo e diretrizes curriculares: problematizando os espaços de produção de currículo. Caderno de Pesquisa Pensamento Educacional, Curitiba, v. 4, p. 220-245, jul./dez. 2009. Disponível em:
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Paraná. Curitiba: SEED, 2006.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM
Programa de Pós- Graduação em Educação
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Kethlen Leite de Moura[1]
A elaboração das Diretrizes Curriculares da Educação do Campo parte do momento em que a Educação do Campo atrelada aos movimentos sociais do campo se articulam junto ao Estado para a efetivação de políticas públicas. A concretização de políticas públicas e aparatos legais para a Educação do Campo deve-se de uma dívida histórica do Estado para com a população campesina, e que em diversos momentos a Educação do Campo foi pensada apenas como ligada ao meio rural ou como um apêndice da educação urbana.
A construção da DCE veio como um aporte legal para satisfazer as necessidades educacionais do homem do campo; traçando metas para uma organização pedagógica a ser seguida pelos professores que atuam nessa prática educativa. Salienta-se que a Educação do Campo deve ser pensada a partir dos sujeitos que a constituem. O cumprimento das diretrizes pelo Estado é fundamental para que o diálogo entre os movimentos sociais e o supremo poder estatal tenha um único objetivo: legitimar e avançar na Educação do Campo com qualidade tanto no contexto regional, quanto a nível nacional.
Os desafios que a Educação do Campo encontra é a maneira como os governantes olham para essa modalidade educacional, que tem perspectivas na formação de um sujeito humanamente emancipado, partindo do trabalho como princípio educativo.
Os projetos, diretrizes, leis e recomendações são pensadas por agências internacionais com o propósito de amenizar a pobreza e as desigualdades sociais. As propostas advindas das agências internacionais são consensuadas por ministérios e governantes que acreditam em melhores soluções para enfrentar as contradições de um país que é mais campesino que urbano.
A concepção de Educação do campo está aliado à categorização dos povos que a ela pertencem, e a escola direcionada aos povos do campo só tem sentido quando pensadas na realidade desses povos. Para o MEC (2002, p. 37) “a identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes a sua realidade, ancorando-se na sua temporalidade e saberes próprios [...]”.
E para o MST, a prática educacional das escolas como a Milton Santos e Florestan Fernandes, são formas de se permitir mudanças estruturais na qualidade de vida dos sem-terra. Alguns elementos são priorizados para que a trajetória da Educação do Campo seja concretizada e organizada estruturalmente: a gestão democrática, a disciplina e a liberdade para a produção de conhecimento por meio do trabalho aliado à práxis.
O Estado ainda limita as ações das escolas, sejam urbanas ou campesinas, na gestão democrática por exemplo, mesmo que esse tipo de gestão seja recomendado em diretrizes, relatórios e leis. A luta das Escolas do Campo é para transpor essas barreiras e praticar uma organização escolar que seja totalmente coletiva. A prática educacional campesina, ainda não é vista como uma especificidade do campo e sim como rural, a LDB de 1996 em seu artigo 28, estabelece normas para a Educação Rural e não do Campo como retrata a DCE. Ressaltam que essa especificidade do campo é tida como acolhedora de diferenças sem transformá-las em desigualdades e “[...] implica que os sistemas de ensino deverão fazer adaptações na forma de sua organização, funcionamento e atendimento para se adequar ao que é peculiar à realidade do campo, sem perder de vista a dimensão universal do conhecimento e da educação” (p. 18, grifo nosso).
Encontra-se contradições nesses documentos, a LDB/96 que ainda trata a Educação do Campo como Rural. E na DCE que explicita o termo ‘adequação’ para a Educação do Campo. Nota-se que o próprio documento desta a DCE como ‘acolhedora de diferenças’, no entanto as indagações que ficam são: As diferenças não são transformadas em desigualdades? Se não há desigualdade, porque os movimentos ainda lutam contra o fechamento das escolas do campo? E qual o interesse das agências internacionais em promover os encontros a respeito da Reforma Agrária e da Educação do Campo?
Referências:
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em:
MEC, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Referência para uma política nacional de educação do campo: caderno de subsídios. Coordenação: Marise Nogueira Ramos, Telma Maria Moreira, Clarice Aparecida Santos – 2. ed. Brasília: MEC, SECAD, 2005.
SEED. Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Estado do Paraná. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo. Curitiba, 2006.
[1] Aluna Regular do PPE-Mestrado, RA 45982. Ensaio teórico para a disciplina Tópicos Especiais em Educação: Políticas e Gestão do e no Campo
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